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18 de Abril de 2024

Em que consiste a ação controlada?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

Em que consiste a ao controlada

Atuação retardada da autoridade responsável

Se a autoridade (seja ela policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre em flagrante delito.

A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim obter maiores vantagens para a persecução penal.

Exemplo

O exemplo típico desta técnica de investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que determinado passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia prender o traficante no instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do transporte. Entretanto, revela-se mais conveniente à investigação que a autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é chamado de “ação controlada”.

Conceito

Ação controlada é...

  • uma técnica especial de investigação;
  • por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias);
  • mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso;
  • retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior;
  • com o objetivo de conseguir coletar mais provas;
  • descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa;
  • recuperar o produto ou proveito da infração; ou
  • resgatar, com segurança, eventuais vítimas.

Nomenclatura

A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

Em que consiste a chamada “entrega vigiada”?

Trata-se de uma forma de “ação controlada”, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), por meio da qual as autoridades policiais ou administrativas permitem que “remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2º, i).

Previsão legislativa

A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:

Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):

Artigo 20

Técnicas especiais de investigação

1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadase, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

(...)

4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.

Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

(...)

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):

Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683/2012)

Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Para que ocorra a ação controlada é necessária prévia autorização judicial?

A resposta irá depender do tipo de crime que está sendo investigado.

Se a ação controlada envolver crimes:

• da Lei de Drogas ou de Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art. 52, II, da Lei nº 11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.

• praticados por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade (policial ou administrativa) avise o juiz que irá realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. da Lei nº 12.850/2013:

Art. 8º § 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

A previsão acima é muito importante considerando que, na antiga Lei do Crime Organizado (Lei n.º 9.034/95), não se impunha uma fiscalização prévia da ação controlada por parte do Poder Judiciário, o que gerava um perigo grande de que houvesse abusos ou, pior, que existissem atos de corrupção ou leniência praticados pelas autoridades policiais e que fossem acobertados sob o argumento de que se estava diante de uma “ação controlada”. Em outras palavras, poderia acontecer de a autoridade identificar a prática de um crime em curso e não reprimi-lo por conta de corrupção. Caso fosse descoberta e questionada sobre este fato, a autoridade alegava que estava praticando uma “ação controlada” e que iria atuar no momento certo. Isso agora não mais será possível tendo em vista que a Lei exige a comunicação prévia da ação controlada ao juiz.

A Lei nº 12.850/2013 fez bem ao dispensar a prévia autorização, exigindo tão-somente a comunicação. Isso porque algumas vezes os fatos se desenrolam de forma muito rápida e não daria tempo para se aguardar uma decisão judicial. Logo, a comunicação prévia supre a preocupação externada no parágrafo anterior (evitar que a autoridade policial "simule" uma ação controlada) e, ao mesmo tempo, não prejudica a dinâmica das investigações. Assim, protocolizada a comunicação, a ação controlada poderá ser levada a efeito pela autoridade até que venha, se vier, uma limitação imposta pelo juiz.

Em muitas situações, não haveria sequer tempo hábil para que se aguardasse uma autorização judicial para a ação controlada eis que os fatos da vida acontecem de forma célere e a execução do delito, não raras vezes, é mais célere que o tempo necessário para o magistrado autorizar o diferimento da atuação policial.

Vale ressaltar que, se o crime de tráfico de drogas ou de lavagem de capitais estiverem sendo praticados por organização criminosa que se enquadre no conceito da Lei nº 12.850/2013, será possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § 1º deste diploma e faça a ação controlada valendo-se da mera comunicação prévia considerando que neste caso estará sendo investigada uma organização criminosa.

Limites à ação controlada

O § 1º do art. da Lei nº 12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação controlada ele poderá estabelecer limites a essa prática.

Ex1: o juiz poderá estabelecer limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a, por exemplo, a autoridade deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana etc.).

Ex2: o magistrado poderá determinar a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma muito intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a força policial deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.

Apesar de o § 1º falar apenas em limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação controlada, determinando a imediata intervenção policial sempre que não estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for recomendada. Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o cativeiro de uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer momento.

Procedimento no caso da comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)

1) A autoridade policial ou administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada, demonstrando a conveniência da medida e o planejamento de atuação;

2) No setor de protocolo da Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada;

3) O juiz comunicará o Ministério Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;

4) Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações;

5) Ao término da diligência, a autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras

Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. da Lei nº 12.850/2013).

Fonte: Dizer o direito.

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7 Comentários

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Excelente explanação. Para os profissionais do direito, que atuam tanto na fase administrativa do inquérito policial, ou até mesmo da ação penal, muitas vezes, nos deparamos com espécies de ações controladas, e saber se os requisitos foram eminentemente praticados de acordo com a legislação, é de grande importância, até para providências de possíveis nulidades processuais. Vemos esses tipos de procedimentos, em grande parte, encabeçados pela DISE e também pelo GAECO. Parabéns pelo brilhantismo no Trabalho. continuar lendo

O que e delito acessorio ou autonomo? continuar lendo

Muito esclarecedor! Estou fazendo um curso de direito penal e penal econômico pela FGV, e esse brilhante texto foi recomendado. continuar lendo

Belíssimo texto, Drª. Flávia. continuar lendo