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20 de Abril de 2024

Há incidência do CDC na má prestação de um serviço público?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

H incidncia do CDC na m prestao de um servio pblico

É inegável que o acesso a um serviço público eficaz e adequado consiste em direito básico de todo consumidor, consoante art. , X, da Lei 8.078/90. A eficiência dos serviços públicos, na realidade, é reflexo de normas constitucionais, como o princípio da Eficiência, contido no artigo 37 da Lei Maior. A dúvida que pode se apresentar é se todo e qualquer serviço público se caracteriza como relação de consumo, apto, portanto, a incidir as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O artigo 22 do Estatuto consumerista disciplina que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

Como todo serviço, sua definição é extraída do artigo do CDC, que em seu parágrafo 2º dispõe:

“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Mencionado dispositivo é claro ao afirmar que somente os serviços pagos, isto é, mediante remuneração, caracterizam uma relação de consumo, de sorte a atrair a aplicação do CDC.

Por óbvio, a remuneração pode ser direta ou indireta, entendida essa última como a remuneração embutida em outros custos em serviços aparentemente gratuitos, bem como na expectativa de lucro do fornecedor.

No escólio de CLAUDIA LIMA MARQUES, ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN e BRUNO MIRAGEM, "a opção pela expressão 'remunerado' significa uma importante abertura para incluir os serviços de consumo remunerados indiretamente, isto é, quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quando ele paga indiretamente o 'benefício gratuito' que está recebendo.

A expressão remuneração permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo".

Concluem os eminentes autores “'remuneração' (direta ou indireta) significa um ganho direto ou indireto para o fornecedor. 'Gratuidade' significa que o consumidor não 'paga', logo, não sofre um minus em seu patrimônio. 'Oneroso' é o serviço que onera o patrimônio do consumidor. O serviço de consumo (por exemplo, transporte) é que deve ser 'remunerado'; não se exige que o consumidor (por exemplo, o idoso destinatário final do transporte - art. 230, § 2o, da CF/1988) o tenha remunerado diretamente, isto é, que para ele seja 'oneroso' o serviço; também não importa se o serviço (o transporte) é gratuito para o consumidor, pois nunca será 'desinteressado' ou de 'mera cortesia' se prestado no mercado de consumo pelos fornecedores que são remunerados (indiretamente) por esse serviço”

Sobre o mesmo tema, assolapando qualquer dúvida leciona Rizzatto Nunes3, em comentários ao Artigo e parágrafos do CDC: “Logo, quando a lei fala em “remuneração” não está necessariamente se referindo a preço ou preço cobrado. Deve-se entender o aspecto “remuneração” no sentido estrito de absolutamente qualquer tipo de cobrança ou repasse, direto ou indireto... Note-se, ainda, quanto aos serviços, que são privados e também públicos, por disposição do art. 22 do CDC... Assim, estão compreendidos na ampla regulação da lei consumerista os serviços públicos, sem ressalvas. Se se levar em consideração que as duas exceções para a não abrangência do CDC no que respeita aos serviços (sem efetiva remuneração e custo; os de caráter trabalhista), ter-se-á de concluir que praticamente todos os serviços públicos estão protegidos pela Lei 8.078/90.

Vale um comentário sobre o aspecto de gratuidade. Não é porque algum tipo de serviço público não esteja sendo pago diretamente ou nem sequer esteja sendo cobrado que não está abrangido pelas regras do CDC. Os comentários que já tivemos oportunidade de fazer quanto ao custo e à remuneração do serviço privado valem também quanto ao serviço público.

Nenhum serviço público pode ser considerado efetivamente gratuito, já que todos são criados, mantidos e oferecidos a partir da receita advinda da arrecadação dos tributos.

Há os serviços públicos que são cobrados, mas, ainda que não o sejam, repitase, são serviços típicos da relação de consumo que se instaura com o cidadão consumidor...”

Feita essa distinção acerca da remuneração, chega-se ao cerne da controvérsia.

Os serviços públicos ditos gratuitos, isto é, que são prestados sem uma contraprestação do consumidor não caracterizam uma relação de consumo, como nos casos dos serviços “uti universi”, prestados a toda coletividade, essenciais ou não, pois são remunerados através de tributos, caracterizando uma relação tributária e não consumerista.

De qualquer maneira, apenas os serviços extraídos de uma relação contratual importam para caracterizar a relação de consumo, como nos casos de serviços públicos de fornecimento de água, energia elétrica, gás, telefonia, transporte público, financiamento, etc.

Ainda sobre o tema, merece destaque a ressalva de José Geraldo Brito Filomen4:

“Importante salientar-se, desde logo, que aí não se inserem os 'tributos', em geral, ou 'taxas' e 'contribuições de melhoria', especialmente, que se inserem no âmbito das relações de natureza tributária. Não há que se confundir, por outro lado, referidos tributos com as 'tarifas'estas, sim, inseridas no contexto de 'serviços' prestados diretamente pelo Poder Público, ou então mediante sua concessão ou permissão pela iniciativa privada. O que se pretende dizer é que o 'contribuinte' não se confunde com 'consumidor', já que no primeiro caso o que subsiste é uma relação de Direito Tributário, inserida a prestação de serviços públicos, genérica e universalmente considerada, na atividade precípua do Estado, ou seja, a persecução do bem comum."

Referida distinção é vista com tranquilidade na doutrina, mas também na jurisprudência, com diversas decisões nesse sentido no Augusto Superior Tribunal de Justiça, para quem “o conceito de"serviço"previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. , § 2º, do CDC).”

Nem se cogite a definição que a exclusão de tais situações como injustas, por conta do leque protetivo do CDC, pois, a limitação do campo de aplicação do CDC propicia a adequada proteção ao consumidor, defendendo àqueles que realmente necessitam de proteção, principalmente em se considerando o conceito de vulnerabilidade no caso concreto.

O princípio constitucional da isonomia busca equilibrar as relações, possibilitando um tratamento privilegiado aos consumidores por conta de sua presumida vulnerabilidade. Ausente a vulnerabilidade não há que se falar em relação de consumo, do contrário, o próprio princípio da igualdade estaria sendo atingido.

Como conclusão, os serviços públicos, desde que remunerados, direta ou indiretamente são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, todavia, os serviços públicos prestados sem a exigência de uma remuneração por parte do consumidor, não se enquadra como relação de consumo, não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor.

Bibliografia: Comentários ao Código de Defesa do Consumidor 3ª Edição Editora Saraiva.

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3 Comentários

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Cadê julgados que materializa o raciocínio??? continuar lendo

MDS que explicação fantástica😍👏🏻👏🏻👏🏻 continuar lendo

Pagos meus impostos municipais, que entendo que é uma forma de pagamento indireto. Mas fui mal atendido em um posto de saúde pública. Nao se enquadraria no código de defesa do consumidor em caso de reclamação? continuar lendo