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26 de Abril de 2024

Para o STJ, a tortura praticada por policiais contra particular é ato de improbidade administrativa?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

A tortura praticada por policiais contra particular ato de improbidade administrativa

Imagine a seguinte situação adaptada:

Dois policiais prenderam um homem em flagrante e passaram a torturá-lo para que confessasse.

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade contra os policiais.

A defesa alegou que não ficou caracterizado ato de improbidade, uma vez que este pressupõe, obrigatoriamente, uma lesão direta à própria Administração e não a terceiros, haja vista que o bem jurídico que se deseja proteger é a probidade na Administração Pública. No caso concreto, não teria havido lesão à Administração, mas apenas ao particular (preso).

Ainda segundo a tese invocada, a improbidade administrativa caracteriza-se como um ato imoral com feição de corrupção de natureza econômica, conduta inexistente no tipo penal de tortura, cujo bem jurídico protegido é completamente diverso da Lei de Improbidade.

O caso chegou até o STJ. Houve prática de ato de improbidade administrativa?

SIM.

A tortura de preso custodiado em delegacia praticada por policial constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/8/2015 (Info 577).

Tortura: improbidade administrativa

Para o STJ é injustificável que a tortura praticada por servidor público, um dos atos mais gravosos à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, seja punido apenas no âmbito disciplinar, civil e penal, afastando-se a aplicação da Lei da Improbidade Administrativa.

Eventual punição administrativa do servidor não impede a aplicação das penas da Lei de Improbidade Administrativa, porque os objetivos de ambas as esferas são diversos e as penalidades previstas na Lei nº 8.429/92, mais amplas.

Universo das vítimas protegidas pela Lei 8.429/92

A Lei nº 8.429/92 não prevê expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou imediatas da atividade ímproba para fins de configuração do ato ilícito.

Essa ausência de menção explícita certamente decorre do fato de que o ato de improbidade, muitas vezes, é um fenômeno pluriofensivo, ou seja, atinge, de maneira concomitante, diferentes bens jurídicos e diversas pessoas.

Para saber se a conduta pode ser caracterizada como ato de improbidade é primordial verificar se, dentre os bens jurídicos atingidos pela postura do agente público, algum deles está relacionado com o interesse público. Se houver, pode-se concluir que a própria Administração Pública estará igualmente vulnerada e, dessa forma, ficará caracterizado o ato de improbidade para os fins do art. da Lei nº 8.429/92.

Dever convencional, constitucional e legal de o Estado reprimir tais condutas

No caso concreto, a conduta dos policiais afrontou não só a Constituição da República (arts. 1º, III, e 4º, II) e a legislação infraconstitucional, mas também tratados e convenções internacionais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto nº 678/92).

Em tais situações, se o Brasil não toma as devidas medidas para punir os infratores, pode, inclusive, ser responsabilizado nas ordens interna e externa.

A tortura perpetrada por policiais contra presos mantidos sob a sua custódia tem reflexo jurídico imediato, que é o de gerar obrigação indenizatória ao Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88. Há aí, como consequência, interesse direto da Administração Pública.

Tortura praticada por policiais atenta contra toda a coletividade

Nos termos do art. 144 da CF/88, as forças de segurança são destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas. Assim, o agente público incumbido da missão de garantir o respeito à ordem pública, como é o caso do policial, ao descumprir com suas obrigações legais e constitucionais de forma frontal, mais que atentar apenas contra um indivíduo, atinge toda a coletividade e a corporação a que pertence de forma imediata.

Situação se enquadra no art. 11 da Lei nº 8.429/92

O legislador, ao prever, no art. 11 da Lei nº 8.429/92, que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de lealdade às instituições, findou por tornar de interesse público, e da própria Administração, a proteção da legitimidade social, da imagem e das atribuições dos entes/entidades estatais. Daí resulta que atividade que atente gravemente contra esses bens imateriais tem a potencialidade de ser considerada improbidade administrativa.

Na hipótese dos autos, o ato ímprobo se caracteriza também pelo fato de que as vítimas foram torturadas, em instalações públicas, ou melhor, na Delegacia de Polícia.

Em síntese

A situação de tortura praticada por policiais, além das repercussões nas esferas penal, civil e disciplinar, configura também ato de improbidade administrativa, porque, além de atingir a pessoa-vítima, alcança simultaneamente interesses caros à Administração em geral, às instituições de segurança pública em especial, e ao próprio Estado Democrático de Direito.

Fonte: Dizer o Direito.

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3 Comentários

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Resumindo: Tortura de pessoas sob a responsabilidade do estado se enquadra nas 4 esferas possíveis de responsabilidade dos agentes! Penal, Civil, Disciplinar e Administrativa. Muito bom esse artigo. Parabéns continuar lendo

O isolamento de ações dos envolvidos nos casos de tortura não pode ser entendido como desatrelado do dever de evitar as atrocidades humanas cometidas contra humanos, pois sempre poderá ser contra qualquer um. Nem contra o indiciado, nem contra o réu, nem contra o apenado, nem contra o condenado, nem contra aquele que esta livre! Parabéns pela postagem!Obrigado! continuar lendo

São ótimas esta informações. Mas na prática, a grande massa carcerária, como é sabido, são desassistida de apoio jurídico. Portanto, os crimes são cometidos impunemente pelos agentes de estado.
Meus parabéns pelas importantes informações. continuar lendo