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20 de Abril de 2024

O espólio tem legitimidade para ajuizar ação de indenização por danos morais?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

O esplio tem legitimidade para ajuizar ao de indenizao por danos morais

O que é a herança?

A herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida.

Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível.

A herança é formada automaticamente pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.

O que é o espólio?

O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele.

Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. Et. Al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)?

• Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante.

• Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).

Fixados esses conceitos, imagine a seguinte situação hipotética:

João, viúvo, pai de Hugo, José e Luiz, faleceu em decorrência de suposta falha no atendimento hospitalar.

Foi aberto inventário, tendo Hugo sido nomeado como inventariante.

Os filhos decidem contratar um advogado para ajuizar uma ação de indenização contra o hospital pelos danos morais e materiais que eles sofreram com a morte do genitor.

O advogado propõe a ação de indenização indicando como autor o espólio.

O advogado agiu de maneira correta?

NÃO. O espólio não tem legitimidade para postular indenização pelos danos materiais e morais supostamente experimentados pelos herdeiros, ainda que se alegue que os referidos danos teriam decorrido de erro médico de que fora vítima o falecido.

Na situação exposta, o direito à reparação pelos danos causados com a morte é dos filhos de João por conta de direito próprio deles (e não por um direito que tenha sido transmitido com a herança). Assim, o direito à reparação pela morte de João nada tem a ver com a herança (não foi um bem deixado pelo falecido com a sua morte). Logo, o autor da demanda não deve ser o espólio.

Resumindo: o direito no qual se funda a ação é próprio dos herdeiros, e não um direito do de cujus que foi transmitido.

Vejamos, ao contrário, duas situações em que a legitimidade seria do espólio:

O espólio teria legitimidade para ajuizar a ação se o direito à indenização pertencesse ao falecido e tivesse sido transmitido aos herdeiros com a morte.

Ex1: suponhamos que, antes de João falecer, tenha sido publicada uma reportagem no jornal atacando a sua honra. João ajuizou uma ação de indenização contra o periódico, tendo, no entanto, morrido antes que a demanda fosse julgada. Nesse exemplo, considerando a natureza patrimonial do direito de ação por danos morais, esse direito se transmitirá aos herdeiros. Logo, o espólio possui legitimidade para suceder o autor na ação de indenização, operando-se a substituição processual, nos termos do art. 43 do CPC.

Ex2: a reportagem foi publicada atacando a honra de João. Ocorre que não deu tempo de ele tomar providências contra o periódico. Nessa hipótese, muito embora se reconheça o caráter pessoal da referida ação, o STJ e a doutrina majoritária consideram que o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima. Logo, o espólio tem legitimidade para intentar a ação de reparação por danos morais. Nesse sentido é o art. 943 do CC e o Enunciado 454 do CJF.

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Enunciado 454-CJF:

Art. 943. O direito de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima.

Vale ressaltar que o direito de personalidade da pessoa morta não foi transmitido com a herança. O direito da personalidade extinguiu-se com a morte do titular. O que se transmitiu, nesse caso, foi apenas o direito patrimonial de requerer a indenização.

Agora, por fim, uma última hipótese:

Suponha que a reportagem atacando a honra de João foi publicada somente após a sua morte. Nesse caso, será possível o ajuizamento de ação de indenização por danos morais? Quem terá legitimidade para figurar no polo ativo: o espólio ou os herdeiros?

SIM, será possível a propositura de ação de indenização por danos morais. A legitimidade ativa para essa demanda é dos herdeiros, nos termos do parágrafo único do art. 12 do CC:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Se o dano ocorre depois da morte do titular, não produz efeitos jurídicos ao morto. Contudo, tal ofensa atinge, indiretamente, os familiares vivos da pessoa morta, caracterizados como “lesados indiretos”. Assim sendo, os herdeiros, considerados como “lesados indiretos” pelas ofensas devem propor a ação em nome próprio. Como explicam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

“(...) é um direito reconhecido às pessoas vivas de ter salvaguardada a personalidade dos seus parentes (e do cônjuge ou companheiro) falecidos, sob pena de afronta à sua própria personalidade. Isto porque ao violar a honra, imagem, sepultura etc., de uma pessoa morta, atinge-se, obliquamente (indiretamente, na linguagem do Código Civil), os seus parentes (e o cônjuge ou companheiro) vivos.

Bem por isso, os lesados indiretos atuam em nome próprio, defendendo um interesse próprio, consistente na defesa da personalidade de seus parentes (ou de seu cônjuge ou companheiro) falecidos. Agem, pois, por legitimidade ordinária, autônoma, e não em substituição processual.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 198)

Nessa última hipótese, o espólio poderia ingressar com ação de indenização por danos morais?

NÃO. O espólio não tem legitimidade para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post mortem à imagem e à memória de pessoa. Logo, a legitimidade é dos herdeiros (e não do espólio). Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.209.474-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013.

Fonte: Dizer o Direito.

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5 Comentários

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Boa tarde.
Muito bom o seu artigo. Explicativo.
No entanto, gostaria de que me retirasse uma dúvida, com relaçãoao espólio e o imposto de renda.
Como funciona o espólio na declaração de imposto de renda?
Att,
Marcelo continuar lendo

O Espolio de um Pai falecido em que a esposa foi sua inventariante e abriram processo com relacao aos espurgos cometidos por governos como, Verao, Besser pereira e collor 1 e 2, o inventario foi fechado pela inventariante e o processo decorreu do espolio do falecido, pode um dos herdeiros se intitular sem anuencia dos demais como inventariante e abrir um inventario ja fechado pela mae de todos e a ação decorreu pelo espolio e nao pelo inventario com ganho de causa e neste momento suspenco pelo STJ por falta de verba do governo e tambem para nao se tornar jurisprudencia para uns 400 mil processos similares no Brasil. Gostaris que me explicassem a este respeito em que sempre o investidor perde para os banqueiros nestes expurgos ocorridos e nada podem fazer apesar da justiça conceder causa ganha e suspenca, a parte mais forte que são os banqueiros cada dia mais ricos e os clientes cada vez mais pobres sempre pagando a conta que deveria ser dos banqueiros em similaridade com os Governos Federal, Estadual e Municipal, o povo e quem paga as contas da ma governaca. continuar lendo

boa explicacao uma duvida no caso de mover uma ação nao ha necessidade de qualificar no polo ativo entao o falecido apenas discorrer nos fatos o ocorrido? ou apos qualificar o sucessor ou conjuge antes de qualificar o advogado qualifica o de cujos? continuar lendo

fiquei com a mesma dúvida? continuar lendo

Qualifica-se o espólio assim:

MODELO SEM INVENTARIANTE CONSTITUÍDO:

Espólio de FULANO DE TAL, RG, CPF/MF, neste ato representado pelo administrador provisório da herança, SICRANO, nacionalidade, estado civil, profissão, RG, CPF, endereços físico e eletrônico, CEP, telefone...

MODELO COM INVENTARIANTE CONSTITUÍDO:

Espólio de FULANO DE TAL, RG, CPF/MF, neste ato representado pelo seu inventariante, SICRANO, nacionalidade, estado civil, profissão, RG, CPF, endereços físico e eletrônico, CEP, telefone...

Obs.: lembrando que o instrumento de mandato (para o advogado) também deverá ser qualificado de forma diferente conforme abaixo:

OUTORGANTE:
SICRANO,nacionalidade, estado civil, profissão, RG, CPF, endereços físico e eletrônico, CEP, telefone, na qualidade de administrador provisório da herança deixada por FULANO DE TAL, na forma do art. 1.797, do Código Civil, levando-se em consideração não haver sido proposta ação de inventário e partilha,... continuar lendo