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26 de Abril de 2024

Crime de lavagem de dinheiro - principais aspectos

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

Crime de lavagem de dinheiro - principais aspectos

1. INTRODUÇÃO:

Certo é que o crime organizado disponibiliza fundos incalculáveis e envolve milhares de pessoas, com sistema funcional implantado e bem estruturado. Entretanto, apesar de se tratar de uma atividade altamente lucrativa, para serem utilizados seus rendimentos é imprescindível a ocultação de sua origem.

Desta necessidade de uso, movimentação, ocultação e disposição de ativos oriundos das mais variadas espécies do comércio criminoso surge a lavagem de dinheiro, com a finalidade de evitar que se descubra a cadeia criminal, bem como a identificação de seus agentes.

Sendo pacífico que as organizações criminosas, de modo geral, têm sua atuação no eixo dinheiro/poder e que o seu êxito está intimamente vinculado ao sucesso da lavagem de dinheiro, há um forte impulso para que estas organizações pratiquem o referido processo de reciclagem.

Ocorrida a reciclagem do dinheiro, este pode ser investido sem levantar suspeitas e contribuir para que os seus detentores eliminem empreendimentos legítimos sob a cobertura de atividades honráveis[3], gerando o inegável risco de que economias inteiras se submetam ao seu controle, provocando alterações nos mercados financeiros.

Neste contexto, vários países fomentam seus aparelhos de cooperação internacional para a persecução de crimes de lavagem de capitais e outros praticados por organizações criminosas. [4]

2. O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

O crime de “lavagem de dinheiro”, cuja expressão remonta às organizações mafiosas norte-americanas, que, na década de 1920, aplicavam em lavanderias o capital proveniente das muitas espécies do comércio criminoso [5], é uma forma genérica de referir-se ao processo ou conjunto de operações de ocultar a origem do dinheiro ou dos bens resultantes das atividades delitivas e integrá-los no sistema econômico ou financeiro, em operações capazes de converter o dinheiro sujo em dinheiro limpo[6].

Nas palavras de André Luís Callegari é a atividade de investir, ocultar, substituir ou transformar e restituir o dinheiro de origem sempre ilícita aos circuitos econômico-financeiros legais, incorporando-o a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita.

Faz-se necessário esclarecer que o crime de lavagem de capitais é um delito parasitário ou derivado, dependendo, necessariamente, da existência de um delito antecedente para que se configure. Por assim ser, no delito de lavagem de dinheiro a punição volta-se, exclusivamente, para a utilização que se faz do dinheiro sujo, ou seja, às formas de movimentar, ocultar, dispor ou se apropriar dos ativos oriundos de atividades ilícitas.

Diante da importância deste assunto, e dos efeitos devastadores provocados por este delito, Vladimir Aras defende que os Estados nacionais não podem ignorar, diante da complexa problemática que envolve a questão, o fenômeno da lavagem de dinheiro, uma vez que não se restringe a uma abstração que se cinja a números, pois, ao contrário disto:

“São concretos e às vezes dolorosos, os danos causados à sociedade pela lavagem de dinheiro. De um lado, desemprego, vultosos prejuízos econômicos para empresários e investidores, diminuição dos índices de desenvolvimento humano, corrupção, insegurança pública e redução da arrecadação de impostos e de investimentos em educação e saúde. De outro lado, o enriquecimento ilícito e a utilização indevida de valores oriundos de graves crimes.”[7]

3. FASES OU TÉCNICAS DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Considerando que a lavagem de capitais é um procedimento complexo, pode-se afirmar que a conduta do agente passa por um modus operandi bastante linear e multifacetado. Vários são os métodos ou fases utilizados com a finalidade de lavar o dinheiro:

a) A primeira delas é a fase da ocultação, na qual há uma tentativa dos agentes de conseguir menor visibilidade do dinheiro oriundo da prática de atividade ilícitas. Para tanto, costuma-se utilizar o sistema financeiro, negócios de condições variadas, enfim, emprega “intermediários” que trocarão os valores ilicitamente recebidos.

b) Com a posse do dinheiro, tem início a segunda fase: a cobertura, fase de controle, ou ainda, mascaramento. Consistente em desligar os fundos de sua origem, em outras palavras, fazer desaparecer o vínculo entre o agente e o bem precedente de sua atuação. São comuns múltiplas transferências de dinheiro, compensações financeiras, remessas aos paraísos fiscais, superfaturação de exportações, dentre outros.

c) Finalmente, o dinheiro deve retornar ao circuito econômico, transparecendo a imagem de produto normal de uma atividade comercial, é a chamada fase de integração. Neste momento, há a conversão de dinheiro sujo em capital lícito, adquirindo propriedades e bens, constituindo estabelecimentos lícitos, financiando atividades de terceiros, além de investir parte deste dinheiro na prática de novos delitos.

4. CRIMINALIZAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO

Cumpre ressaltar que o início das preocupações mundiais com a lavagem de dinheiro data da Convenção de Viena de 1988, ocasião em que os membros da Organização das Nações Unidas aprovaram a Resolução que os obrigava a penalizar a lavagem de capitais oriundos do tráfico de entorpecentes[8].

Desde então, várias nações passaram a inserir no seu corpo de normas, dispositivos legais reservados a reprimir a utilização de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes.

Neste sentido, Roberto Podval, ao discorrer sobre o bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro, assevera que:

“O que se nota é que a criminalização da lavagem de dinheiro surge como forma de coibir o tráfico ilícito de entorpecentes, já que não obstante a intervenção do Direito Penal nessa matéria (através de leis cada vez mais severas e com penas menos brandas), tal criminalidade não só persiste como aumenta. Assim, uma vez evidenciada a impossibilidade de o Direito Penal evitar o tráfico de drogas, houveram por bem os Estados punir suas conseqüências”.[9]

Observa-se, portanto, que frente à fracassada e inoperante estratégia de atacar as antecedentes atividades ilícitas, há um redirecionamento do Direito Penal em controlar os efeitos destas, quais sejam, os fluxos financeiros oriundos das primeiras atuações ilegais.

Seguindo, portanto, a mesma tendência mundial e diante dos índices de ocorrências envolvendo crime organizado, desvio e lavagem de dinheiro, provenientes de variadas transações ilícitas, e da inserção destes temas no rol de destaque da construção dogmática e da política criminal, houve nítido interesse do Direito Penal Brasileiro em atingir um efetivo controle da circulação de capitais e suas origens, por meio da criminalização desta multimencionada conduta.[10] Ademais, a base ética à criminalização consistiu em evitar que a circulação do dinheiro sujo em circulação no mercado, bem como impedir que o dinheiro lavado proporcione outros ilícitos. [11]

5. A LEI 9.613/98 E SEUS ASPECTOS PENAIS

A exemplo e por imposição das comunidades internacionais, bem como em razão da globalização do mundo moderno, em 1998 foi editada Lei Especial destinada a coibir as ações dos chamados “lavadores de dinheiro”.

Com a Lei 9.613/98, o crime de lavagem de capitais passa a ser considerado um crime independente, cuja previsão encontra-se, como dito, em Lei Especial, e, portanto, fora do Código Penal.

Para William Terra de Oliveira, esta técnica legislativa - inovação na ordem jurídica, mediante a criação de figuras penais especiais - principalmente no caso da lavagem de dinheiro, possui um lado positivo e outro negativo. Se não, vejamos:

“De um lado, está a previsão de um texto legal autônomo que favorece a criação de um espectro punitivo próprio, pretendendo abarcar exaustivamente todo o âmbito da matéria, concentrando em um único diploma a resposta penal e os demais aspectos dela decorrentes. Por outro lado, temos a não inclusão do delito na Parte Especial do Código Penal, contribuindo para a erosão da harmonia legislativa e do sistema punitivo, adotando um modelo político-criminal fragmentado que não respeita o ideal codificador, nem possibilita a sistematização ordenada do universo de condutas sujeitas ao Direito Penal, afetando o processo de interpretação da norma e produzindo duvidosos efeitos da prevenção geral.”[12] (grifo nosso).

Passando à análise da referida lei, perceptível é que no seu primeiro artigo a intenção do legislador de tipificar os diferentes comportamentos típicos, bem como estabelecer as regras especiais sobre a dosimetria da pena, que irão influenciar no cômputo da resposta penal. Há uma abordagem individualizada de quais seriam os ilícitos precedentes do delito de lavagem de capitais.

Para Marcos José Maschietto, há uma falha vestibular na elaboração do preceito, que aponta o terrorismo e as práticas patrocinadas por organização criminosa. Para ele é equivocada a alusão a estes dois tipos, pois tratam de assuntos que não são definidos de forma regular pelo ordenamento jurídico vigente, dependendo de regulamentação complementar. Além disto, aduz que os tipos relacionados nos incisos de I a VI são de natureza fechada, e que, portanto, não permitem exploração interpretativa abrangente, em contrapartida, o inciso VII que relata os delitos originários da atividade do crime organizado, abre a possibilidade de vasta e extensa interpretação.[13] O mestre, ainda, continua sua crítica à referida lei, expondo que:

“A pena prevista também merece referência, pois aflora branda ao extremo, principalmente ao se tomarem como parâmetros outros delitos limitados pela Lei Penal que podem ser praticados individualmente, sem concorrência de outrem, com potencialidade ofensiva menor, embora apenados de forma mais severa. Este novo ilícito, que ocorre geralmente com a participação de diversos agentes componentes de quadrilhas com ramificações internacionais, originários de outras práticas criminosas (...). Não é adequado falar em pena de multa sem definição do quantum, pois corre-se o risco de afundar no ridículo, com o arbitramento de valor irrisório, o que, em geral, acontece no Brasil. Dever-se-ia aproveitar a previsibilidade constitucional que aceita como modalidade de pena o confisco, perfeitamente adequado a esta situação.”

Por outro lado, há quem considere que o sistema penal ofereceu uma resposta pesada ao problema, limitando uma série de benefícios processuais e instrumentais, apesar de introduzir institutos novos, como a delação premiada. O argumento sustentado, para tanto, é que evitar a impunidade e aplicar efetivamente o novo sistema legal é algo mais importante do que a previsão de penas altas como artifício preventivo. [14]

Nesta linha de pensamento, analisando a Lei 9.613/998, percebe-se que há alguns pontos controvertidos que, almejando asseverar a pena, suprimiram direitos fundamentais. Como exemplos, podemos citar:

a) Proibição da Fiança – Preceitua o artigo 3º da referida lei que os crimes definidos nela são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória. Ocorre, entretanto, que no artigo , XLIII, CF/88 – que prevê os casos em que a lei considerará inafiançáveis crimes – não está inserido o crime de lavagem de dinheiro. Logo, por entender que a lei infraconstitucional não pode conceder ou proibir tal benefício, vez que tal atitude fora vedada pelo legislador constituinte, depara-se com flagrante inconstitucionalidade.

b) Inversão do Ônus da Prova em relação à ilicitude dos bens que foram objeto de apreensão e ao seqüestro – Para tal ponto, Rodrigo de Moura Jacob[15], faz o seguinte questionamento: Ora, se ao acusado é garantido o direito ao contraditório, como então, aceitar a inversão do ônus da prova em relação à ilicitude da origem dos bens? E como resposta, esclarece que à acusação cabe a prova da ilicitude da origem dos bens, para que o acusado possa se valer do seu direito constitucional de contradizer o alegado. Saliente-se, ainda, que a inversão do ônus da prova, limita-se à comprovação da licitude da origem dos bens, logo completamente inaplicável à autoria e materialidade dos crimes previstos na lei em comento.

Da necessidade de respeitar a ordem constitucional, surgem muitas dificuldades no efetivo combate à lavagem de dinheiro, isto porque enquanto os agentes criminosos não têm limitações na realização de suas condutas, o Estado tem de respeitar os mencionados direitos fundamentais, bem como um leque de outros.

Ora, como nos ensina Vladimir Aras, a preocupação maior, quando se cuida da lavagem de dinheiro, está em não permitir a utilização no processo penal de provas ilicitamente obtidas e respeitar a ampla defesa e o contraditório, garantias que se ofendidas desmoronariam todos os esforços para a punição dos culpados. Desta maneira, corre-se o risco dos agentes criminosos utilizarem das garantias constitucionais para assegurarem o encerramento da persecução do delito, bem como promover continuidade aos seus atos ilícitos.

Por assim ser, verificamos que o sistema brasileiro de prevenção e combate à lavagem de dinheiro está sendo montado e posto à prova, necessitando, como preleciona o supracitado professor, de uma reforma legislativa que atinja as normas-chave, do aprofundamento de programas de capacitação de autoridades e servidores, bem como da especialização de juízos e unidades do Ministério Público e da Polícia, para o êxito nas operações de combate à lavagem de dinheiro, e, por conseguinte, na recuperação de ativos.

6. CONCLUSÕES

1. A fim de garantir o uso, movimentação, ocultação e disposição de ativos oriundos das mais variadas espécies do comércio criminoso, surge a lavagem de dinheiro, com o intuito de evitar que se descubra a cadeia criminal, bem como a identificação de seus agentes.

2. A lavagem de capitais é uma forma genérica de referir-se ao processo ou conjunto de operações de ocultar a origem do dinheiro ou dos bens resultantes das atividades delitivas e integrá-los no sistema econômico ou financeiro, em operações capazes de converter o dinheiro sujo em dinheiro limpo.

3. Considerando que a lavagem de capitais é um procedimento complexo, vários são os métodos ou fases utilizados com a finalidade de lavar o dinheiro: ocultação, mascaramento e integração.

4. Seguindo a mesma tendência mundial e diante dos índices de ocorrências envolvendo crime organizado, desvio e lavagem de dinheiro, e da inserção destes temas no rol de destaque da construção dogmática e da política criminal, houve nítido interesse do Direito Penal Brasileiro em atingir um efetivo controle da circulação de capitais e suas origens, por meio da criminalização desta multimencionada conduta.

5. A exemplo e por imposição das comunidades internacionais, bem como em razão da globalização do mundo moderno, em 1998 foi editada Lei Especial nº. 9.613, destinada a coibir as ações dos chamados “lavadores de dinheiro”.

6. Ocorre que há alguns pontos controvertidos que, almejando asseverar a pena, suprimiram direitos fundamentais, tais como proibição de fiança e inversão do Ônus da Prova em relação à ilicitude dos bens que foram objeto de apreensão e ao seqüestro.

7. Respeitar a ordem constitucional, neste caso específico, revela enorme dificuldade no efetivo combate à lavagem de dinheiro, isto porque enquanto os agentes criminosos não têm limitações na realização de suas condutas, o Estado tem de respeitar os direitos fundamentais.

8. Por tudo quanto exposto, concluímos que para o êxito nas operações de combate à lavagem de dinheiro, e, por conseguinte, na recuperação de ativos, é necessária reforma legislativa que atinja as normas-chave, aprofundamento de programas de capacitação de autoridades e servidores, bem como da especialização de juízos e unidades do Ministério Público e da Polícia.

Fonte: Âmbito Jurídico.

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2 Comentários

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Olá, muito bom o artigo, mas em que pese ter sido redigido há 2 anos e na época já ter ocorrido a alterção da lei 9.613/98 pela lei 12.683/2012, o tópico 5. "A lei 9.613/98 e seus aspectos penais" está desatualizado. Faço essa observação para evitar confusão na hora dos estudos. continuar lendo

Parabéns pelos oportunos esclarecimentos do crime que vêm devastando a economia brasileira. continuar lendo