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20 de Abril de 2024

Ainda há espaço para fundamentação “per relationem” no novo CPC?

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 8 anos

Ainda h espao para fundamentao per relationem no novo CPC

A fundamentação é um dos elementos mais importantes da sentença, máxime porque constitui a base de sustentação da conclusão do julgador, ou seja, é a parte da decisão em que o magistrado expõe as razões fáticas e jurídicas que embasam o seu convencimento em determinado sentido, seja pela procedência do pedido, seja pela sua rejeição com o acolhimento de eventual pedido contraposto.

Fredie Didier Jr. Explica que a necessidade de fundamentação deriva do fato de que a decisão judicial é fruto de um juízo de verossimilhança, asseverando:

É comum o entendimento de que o convencimento judicial está fundado, sempre ou quase sempre, em um juízo de verossimilhança. Esse entendimento se baseia na ideia de que “verdade” é um ideal intangível – e, por isso, não deve ser buscada como o objetivo do processo […] Por conta disso, prevalece a ideia de que o que se busca no processo é “verdade possível”, assim entendida aquela necessária e suficiente para que o juiz profira sua decisão de forma justa; mas, sempre e necessariamente, a verdade. É justamente aí que surge a necessidade da justificação da convicção do magistrado – e, pois, a exigência de fundamentar sua decisão. “A motivação, nesse sentido, é a explicação da convicção e da decisão”.[1].

Malgrado seja um dever imposto pela própria Constituição Federal, eis que consagrado expressamente no inciso IX do art. 93 e caracterizado como verdadeiro direito fundamental do jurisdicionado em decorrência do princípio do devido processo legal, na prática ainda é comum a existência de decisões simplistas, que somente do ponto de vista formal são fundamentadas, tais como: “presentes os pressupostos legais, defiro a tutela antecipada” ou “defiro o pedido indenizatório na forma como postulado na inicial, uma vez que amparado nas provas produzidas em juízo” ou “indefiro em razão da ausência de amparo legal do pedido”.

O novo Código de Processo Civil (NCPC ou CPC de 2015), aprovado pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, manteve no art. 489 os elementos essenciais da sentença, tais o relatório, a fundamentação e o dispositivo. No entanto, preocupado com a proliferação de decisões despidas de um mínimo de fundamentação, elencou em rol exemplificativo[2] as hipóteses em que a decisão judicial não se considera fundamentada, valendo conferir o teor do § 1º in verbis:

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Não bastasse, o § 2º do art. 489 complementa dispondo que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

Nesse cenário, verifica-se que o legislador exigiu do magistrado observância irrestrita do princípio do contraditório. Nem poderia ser diferente. Com efeito, o contraditório, além de garantir às partes o direito à ciência de todos os atos procedimentais (dimensão formal), assegura a possibilidade de influenciar a decisão do órgão jurisdicional (dimensão substancial), razão pela qual o novo diploma processual considera não fundamentada a decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

A propósito, Eduardo Cambi e Renê Francisco Hellman, em artigo sobre o dever de fundamentação do magistrado, ressaltam que “o tratamento dado ao contraditório já nas primeiras linhas do novo Código de Processo Civil tem efeito direto na motivação da decisão judicial, porque se enfatiza o caráter dialógico do processo e a compreensão de que a decisão deve decorrer do diálogo entre todos os sujeitos processuais[3].

Assim, a nova Codificação estabeleceu parâmetros objetivos para o controle da fundamentação do magistrado, ampliando sobremaneira o dever de motivação inerente à atividade jurisdicional. Por conseguinte, sucumbirá o entendimento jurisprudencial dominante, no sentido de que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos sustentados pela parte, quando já tiver fundamentado sua decisão de maneira suficiente[4].

Igualmente, não haverá espaço para a manutenção da denominada fundamentação per relationem, por meio da qual o juiz simplesmente se reporta aos fundamentos expendidos em outro ato processual (decisão ou parecer do MP), salvo quando o ato a que se reportar o magistrado houver enfrentando todas as argumentações suscitadas pelas partes.

Notas e Referências:

[1] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 02: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 313/314.

[2] Nesse sentido dispõe o Enunciado 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que “as hipóteses descritas no § 1º do art. 499 [§ 1º do art. 489 na versão sancionada] são exemplificativas”.

[3] CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Precedentes e Dever de Motivação das Decisões Judiciais no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo nº 241, mar. 2015, p. 427.

[4] STF, ARE 644.845/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 15.08.2011, DJe 26.08.2011.

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