Aplica-se a Lei Maria da Penha para agressão praticada pela mãe contra a filha?
Inicialmente, insta frisar que a Lei 11.340/06 foi criada para proteger a mulher em razão da sua inferioridade ou vulnerabilidade em relação ao agressor de modo que, a princípio, a mulher jamais poderia figurar como autora de qualquer delito que estivesse figurando como vítima uma outra mulher, conforme se depreende da leitura do artigo 5º da citada lei, in verbis:
Artigo 5º: Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (...).
Nesse diapasão, visando esclarecer o que se entende pela violência de gênero mencionada na Lei Maria da Penha, o ilustre jurista Edison Miguel da Silva Jr, passou a explicá-lo da seguinte forma:
“(…) aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção masculina de dominação social (patriarcado), propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher”
Nesse cenário, vale salientar que ainda que existam entendimentos no sentido de ser possível o sujeito ativo da violência doméstica ser mulher, fato é que para tanto é necessário o requisito da existência da situação de vulnerabilidade da vítima frente ao agressor ou a motivação de gênero, tendo, como motivação, dessa forma, a opressão à mulher (fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha), e não apenas a ocorrência de uma simples agressão moral, física, psicológica ou patrimonial da vítima em razão de desavenças, conforme já se manifestou diversos pretórios pátrios, principalmente o egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. MAUS-TRATOS. MÃE E FILHA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. 1. A lei 11.340/2006 é de aplicação restrita e deve incidir apenas quando a ação ou omissão que configurem a violência doméstica e familiar possuam motivação de gênero e há uma situação de inferioridade ou vulnerabilidade da ofendida em relação ao agressor. 2. Se os maus tratos infligidos à criança do sexo feminino decorrem da vulnerabilidade decorrente da condição de filha, em face da sua criação e educação, sem qualquer conotação motivada pelo gênero mulher, não há aplicação da lei maria da penha. 3. Conflito conhecido para declarar competente o juízo suscitado. TJ-DF - ccr: 20130020148475 df 0015698-26.2013.8.07.0000, relator: João Batista Teixeira, data de julgamento: 05/08/2013, câmara criminal, data de publicação: publicado no dje: 07/08/2013. Pág.: 76.
Face ao exposto e considerando a doutrina e jurisprudência pátria, tal como já alhures abordada, entendo que, fora da situação da união homoafetiva prevista no artigo 5º, parágrafo único da Lei 11.340/06, a mulher somente pode figurar como autora de violência doméstica e familiar contra uma outra mulher, no caso da existência da situação de vulnerabilidade da vítima frente à agressora ou em razão da motivação de gênero, ou seja, havendo necessariamente como motivação da violência a opressão à mulher, caso em que se aplicaria o aduzido diploma legal com os seus diversos dispositivos de proteção à vítima.
Portanto, é perfeitamente possível a aplicação da Lei Maria da Penha para eventuais agressões praticadas pela genitora contra a filha, desde que exista situação de vulnerabilidade da vítima frente à agressora.
Fonte: ConJur.
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35 Comentários
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Continuo achando essa Lei ridiculamente inconstitucional. continuar lendo
Corretíssimo Hudson, só não vê quem nunca teve uma aula de hermeneutica, teoria do direito e criminologia na vida. continuar lendo
Então, meu caro Hudson, são pelo menos dois a ter o mesmo posicionamento.
Uma lei dessas nos faz questionar a nós mesmos o tempo de estudo na faculdade.
Uma lei deste calibre nos faz concordar com aqueles que pensam que o ser humano já chegou ao seu ápice enquanto espécie e agora só lhe resta o declive. continuar lendo
Pra não dizer que esta lei, além de inconstitucional, também é infrutífera e risível. Só funciona, maravilhosamente bem, para incentivar a parcialidade de juízes desatentos e juízas feministas, principalmente na área de família. continuar lendo
Prezada Flávia Ortega, entendi que aplicam-se as disposições da LMP "Desde que exista situação de vulnerabilidade da vítima frente à agressora" e (conjunção aditiva) as agressões possuam motivação de gênero.
Não basta somente vulnerabilidade da vítima em relação à agressora, deve haver também a motivação de gênero. vulnerabilidade + gênero = LMP. Correto? continuar lendo
Entendi assim também! continuar lendo
Dra. Flávia, gentileza fiquei com a seguinte dúvida após a leitura, é condicionante a vulnerabilidade E motivação de gênero para ter a garantia da LMP? Ou a vulnerabilidade OU a motivação de gênero individualmente? continuar lendo
Tema importante e que merece ser discutido... continuar lendo