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26 de Abril de 2024

Cuidado ao dar carona, você pode ser responsabilizado civilmente em caso de acidente

A responsabilidade civil no transporte de cortesia (carona).

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 7 anos

Cuidado ao dar carona voc pode ser responsabilizado civilmente

O transporte de cortesia é um fato social que integra o cotidiano das cidades e dos campos. Quantas vezes assistimos uma pessoa, dirigindo seu veículo automotor conduzir gratuitamente o carona, a pedido ou mediante oferecimento, até determinado local que, muitas vezes, nem é o seu destino final.

Há em determinadas universidades o incentivo a tal prática, existindo pontos específicos de carona, assim como revezamento entre colegas de trabalho que moram na mesma localidade, dentre outros diversos exemplos, inclusive, ocasionais entre pessoas que sequer se conhecem. Importa apenas que seja efetivamente gratuito, ou seja, sem remuneração direta ou indireta como, por exemplo, o custeio do combustível.

O direito sempre teve dificuldade em categorizar essa situação, utilizando-se, em um primeiro momento, da ideia de que haveria um tipo de transporte gratuito a atrair a norma jurídica contida no artigo 392 do Código Civil, sendo essa orientação defendida, dentre outros, por Wilson Melo da Silva.

Por esse ângulo de visada, o contrato de transporte seria, em regra, oneroso, admitindo-se a unilateralidade e gratuidade se assim fosse o querer dos contratantes.

O verbete 145 da súmula de jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça, aprovada em período anterior ao Código Civil de 2002, adotou essa linha de pensamento ao dizer que no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. Orlando Gomes, em época bem anterior à atual codificação, entendia ser justo proporcionar à pessoa que faz um favor a proteção de somente responder por dolo ou culpa grave.

Adepto dessa tese, José Fernando Simão lança interessante fundamento no sentido de que a permanência dessa ótica pode produzir o efeito de fomentar a salutar prática da carona, uma vez que quem a oferecer somente responderá pelo dano se ficar provado que o causou por dolo ou culpa grave. Diz o ilustre civilista que “a carona deve ser estimulada e não punida. Já que o transporte público é ineficiente, a carona é uma das formas de reduzir o número de carros nas ruas, e com isso, reduzir o trânsito e melhorar o meio ambiente, sem poluição. É ato de solidariedade e que faz bem ao meio ambiente”.

Passados mais de quinze anos de vigência da atual Codificação e a perspectiva de apenas responsabilizar o motorista que dá carona quando agir com dolo ou culpa grave, aplicando-se o artigo 392 do Código Civil que dispõe sobre os efeitos dos contratos gratuitos, continua sendo prestigiada pela jurisprudência pátria no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Estaduais.

Com o devido respeito às opiniões em contrário, o entendimento supra não parece o mais adequado e nem se afina com a orientação da atual codificação. O caput do artigo 736 do Código Civil coloca a questão no seu devido lugar quando diz que “não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”.

Se não há subordinação é porque não se trata de contrato de transporte e sim um fato social que apenas receberá a incidência de alguma norma jurídica se o motorista causar dano ao carona pelo cometimento de ato ilícito culposo, ou seja, se proceder com negligência ou imprudência ao dirigir o veículo automotor, sendo tal comportamento a causa do dano.

Mesmo antes da vigência do atual Código Civil, Mário Moacyr Porto demonstrara que a doutrina e jurisprudência francesa já tinham abandonado a contratualização do transporte de favor ou cortesia e se posicionava por entender artificioso e forçado “pretender que os gestos de pura cortesia possam ser catalogados como autênticos contratos”. Em adendo a tal assertiva, traz instigante ilustração, reflexionando que se um amigo é convidado para jantar e aceita, há um acordo de vontades para determinado fim, “mas nunca um contrato para … jantar”.

Enfim, a nosso sentir, não há necessidade de prova de culpa grave ou dolo para o fim de responsabilização civil do motorista, na forma como o artigo 736 do Código Civil tratou a questão. A culpa, em qualquer de seus graus, será o suficiente, devendo ser aplicada a regra geral da responsabilidade civil aquiliana com a combinação dos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, aplicando-se a vetusta regra cunhada por Ulpiano do in lege aquilia et levissima culpa venit (a lei aquilia aplica-se até na culpa levíssima), máxima a que Pontes de Miranda com a argúcia costumeira denominou de “princípio da suficiência de qualquer culpa”.

Sob o ponto de vista da vítima do dano, esse último entendimento parece mais justo e consentâneo com a ordem legal e constitucional que asseguram ao cidadão ofendido a reparação do dano que aqui se fará sem as incertezas e inseguranças da demonstração do grau de culpa exacerbado do motorista.

Fonte: Flávio Tartuce.


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71 Comentários

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Muito boa a matéria em termos jurídicos , mas diga isso ao estudante descapitalizado que aos fins de semana quer ver sua família e não tem verba disponível para viagem . Estudei em Universidade pública e sempre dependíamos de carona , portanto embora esteja embasada numa lei , creio que este tipo de comportamento , o de negar carona , é típico de quem nunca precisou de uma uma !! continuar lendo

Pelo contrário.. Quem nega carona está se garantindo contra a possível responsabilização por danos. Atualmente está assim. Como dar carona? Se posteriormente pode tomar um baita processo nas costas. continuar lendo

Bom comentário . Se querem condenar há sempre um caminho e se quem absolver haverá também outro . continuar lendo

Além da carona pura e simples, também existe a carona entre amigos com o objetivo de economizar ou de definir o "motorista da rodada" (aquele que não beberá), assim como a carona solidária entre os que tem carros e que inclusive é estimulada pelo poder público, para diminuir o trânsito e poluir menos.
Nosso sistema jurídico se preocupa em prejudicar em punir aqueles que buscam contribuir e ajudar, e enquanto isto, os verdadeiros criminosos, tem Leis que lhes proporcionam recursos, vantagens, etc...
Isto é mais um dos sinais da nociva inversão de valores em que vive nossa sociedade. continuar lendo

Com todo respeito, mas isso exposto é "forçação de barra jurídica". Onde já se viu punir alguém como fornecedor fosse. O máximo que possamos imaginar seria um motorista entusiasmado pelo qual "dá um cavalo de pau" com o carro e acaba causando danos ao passageiro. Fora desta margem dolosa, não vejo outra possibilidade. Se eu fosse juiz, o mérito dessa tese seria julgado improcedente. Abraço. continuar lendo

Compartilho do mesmo pensamento! Infelizmente nossa justiça é pobre nesse sentido, brasileiro gosta do litígio, gosta de gerar conflitos que muitas vezes são desnecessários. Sua expressão foi extremamente pertinente. 'Forçação de barra jurídica'. Esse tipo de discussão apenas atrasa a devida aplicação do poder jurisdicional estatal e ajuda a abarrotar o judiciário. Enquanto isso ocorrer, seremos um país atrasado juridicamente, socialmente e culturalmente! continuar lendo

Eh, por isso mesmo o SR. nem Juiz deve ser. A matéria não está julgando nada. apenas mostra como é a Lei. Útil demais para os milhares de inocentes. Evitar ao máximo dar carona, depois dessa aula. /// Em 1965, vi um colega de escola passar aperto com a justiça. Deu carona para o amigo, apenas uns 500 metros, e o acidente aconteceu, sem mesmo ser por culpa sua (do motorista). Até hoje não sabia que existe Lei específica e o caroneiro não era um sacana. Seu direito estava previsto em Lei. continuar lendo

precaução sim deixa de ajudar nunca continuar lendo

Interessante que a tese traz à tona um outro exemplo, qual seja, o convite a um amigo para almoçar em casa. Eis que o peixe estava com algum produto venenoso desses criadouros. Todos passam mal. Como o anfitrião não teve o deviso zelo em estripar o peixe até as últimas, o visitante tem o direito deingressar contra o anfitrião por danos morais e materiais. Resumindo: nunca convide ninguém para a sua casa, NUNCA. continuar lendo

Imagine então uma feijoada rançosa em pleno domingo !!
Todos os convidados felizes
Piscina, ... as crianças brincando
Quanta alegria nos corações !!
Para na segunda feira
Trabalho de início da semana
Com todos os convidados
Em uma avassaladora caganei ... diarreia !!
Bom ... Mais um tema para a Jurisprudência analisar .... continuar lendo