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20 de Abril de 2024

Danos morais e o Novo CPC

A interpretação do artigo 292, inciso V, do Novo CPC.

Publicado por Flávia Ortega Kluska
há 7 anos

Danos morais e o Novo CPC

Por: Leonardo Beduschi.

O CPC/2015 prevê que o valor da causa na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, deve ser o valor pretendido pelo autor (art. 292, inc. V). Essa novidade, sutilmente incluída na Parte Geral do novo Código, tem provocado controvérsia.

O CPC/2015 estipulou, em seu art. 292, inc. V, que o valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será, na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido.

Na vigência do CPC/1973, em ações dessa natureza, era muito comum no quotidiano forense a formulação de pedido genérico, com a atribuição de valor da causa “para fins meramente fiscais”. Nos pedidos genéricos de dano moral, a jurisprudência consolidada, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, também permitia que tal valor fosse arbitrado pelo juiz, e mesmo que o montante fosse indicado na petição inicial, ou seja, ainda que o pedido de danos morais fosse determinado, a condenação em montante inferior ao postulado pelo autor não implicava sucumbência recíproca (enunciado nº 326 da Súmula da jurisprudência do STJ).

Analisando-se a nova disposição (art. 292, inc. V, do CPC/2015), surgem imediatamente dois questionamentos que, numa primeira análise, não são facilmente respondidos pelo novo Código: ainda é possível a formulação de pedido genérico em ações condenatórias por danos morais? E, havendo pedido determinado nesses casos, condenação em montante inferior acarreta sucumbência recíproca?

A doutrina diverge em relação a esses dois aspectos.

Analisando a primeira questão, à época do CPC/1973, o Des. Joel Dias Figueira Júnior expôs que “muitas vezes, o pedido de condenação (objeto imediato) do réu (pedido certo) por danos morais, decorrentes da morte de um ente querido, não está na dependência de qualquer elemento probatório para sua fixação (determinação), em que tristeza e o sofrimento pela perda irreparável da pessoa amada aparecem de forma ínsita na própria relação de direito material violado, em face do ilícito praticado. Nesses casos, arbitrar o valor perseguido com a demanda é um ônus processual do postulante, não podendo ser relegado, em princípio, para a fase processual posterior ou remetido para estipulação, de acordo com o prudente critério do julgador”.

Essa mesma linha doutrinária é seguida por Fredie Didier Júnior:

“Problema que merece cuidadosa análise é a do pedido genérico nas ações de reparação de dano moral: o autor deve ou não quantificar o valor da indenização na petição inicial? A resposta é positiva: o pedido nestas demandas deve ser certo e determinado, delimitando o autor quanto pretende receber como ressarcimento pelos prejuízos morais que sofreu. Quem, além do próprio autor, poderia quantificar a “dor moral” que alega ter sofrido? Como um sujeito estranho e por isso mesmo alheio a esta “dor” poderia aferir a sua existência, mensurar a sua extensão e quantificá-la em pecúnia? A função do magistrado é julgar se o montante requerido pelo autor é ou não devido; não lhe cabe, sem uma provocação do demandante, dizer quanto deve ser o montante. Ademais, se o autor pedir que o magistrado determine o valor da indenização, não poderá recorrer da decisão que, por absurdo, a fixou em um real (R$ 1,00), pois o pedido teria sido acolhido integralmente, não havendo como se cogitar interesse recursal. O art. 292, V, do CPC, parece ir por este caminho, ao impor como o valor da causa o valor do pedido nas ações indenizatórias, “inclusive as fundadas em dano moral”. Somente é possível a iliquidez do pedido, nestas hipóteses, se o ato causador do dano puder repercutir, ainda, no futuro, gerando outros danos (p. Ex.: uma situação em que a lesão à moral é continuada, como a inscrição indevida em arquivos de consumo ou a contínua ofensa à imagem); aplicar-se-ia, então, o inciso II do par.1º do art. 624, aqui comentado. Fora dessa hipótese, incabível a formulação de pedido ilíquido”.

Já Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Francisco Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart apontam para a permanência, no processo civil brasileiro, da possibilidade de formulação de pedido genérico nesses casos, nos seguintes termos: “Ao referir expressamente à ação que visa a tutela reparatória por força da alegação de dano moral, o novo Código pretende que o autor de fato aponte, sempre que possível, o valor que pretende a título de indenização, nada obstante seja possível na hipótese a formulação de pedido genérico”.

Tocante a essa questão, há alguns aspectos que devem ser ponderados.

Primeiramente, o art. 292 do CPC/2015 está localizado no Título V (do valor da causa) do Livro IV (dos atos processuais) da Parte Geral do novo Código, ao passo que a disciplina dos pedidos encontra-se na Seção II do Capítulo II (da petição inicial) do Título I (do procedimento comum) do Livro I (do processo de conhecimento) da Parte Geral do CPC/2015.

Assim, ao menos num aspecto “topográfico”, a modificação determinada pelo art. 292 do CPC/2015 limitar-se-ia ao valor da causa, pois não houve indicação expressa acerca do reflexo de tal alteração em relação à formulação de pedido genérico em ações de natureza condenatória por danos morais.

Deve ser ressaltado que o valor da causa ganha relevo no CPC/2015, pois além de ser um critério fundamental para o cálculo das custas, é parâmetro para os seguintes institutos processuais: 1) multa por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 77, § 2º); 2) multa por litigância de má-fé (art. 81); 3) honorários sucumbenciais (art. 85, §§ 2º e 5º, 338, par. Único e 701); 4) multa pela ausência da parte à audiência de conciliação ou mediação (art. 334, § 8º); 5) multa ao perito que deixa de apresentar o laudo (art. 468, inc. II, § 1º); 6) multa ao autor que proponha indevidamente ou de má-fé ou ao réu que embargue de má-fé a ação monitória (art. 702, § 10); 7) depósito para a admissibilidade da ação rescisória (art. 968, inc. II); 8) multa ao agravante quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime (art. 1.021, § 4º); 8) multa por embargos de declaração manifestamente protelatórios e pela reiteração destes (art. 1.026, §§ 2º e 3º).

Há, como se percebe, grande relevância processual na correta quantificação do valor atribuído à causa. Contudo, aparentemente, a modificação imposta pelo art. 292, inc. V, do CPC, cinge-se à quantificação do valor da causa, inexistindo, ao menos de forma explícita, vinculação entre qual quantificação e a proibição de formulação de pedido genérico.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, anterior ao CPC/2015, é sedimentada no sentido de que, se há indicação clara na petição inicial do benefício econômico pretendido na demanda, ainda que em patamar mínimo, é este que deve figurar como valor da causa (Pet 2398/SP, Corte Especial, rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 12/05/2010 e AgRg no REsp 1445991/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 11/06/2014). Tal entendimento, entretanto, não exclui a possibilidade de formulação de pedido de danos morais genérico, sem definição inicial do quantum debeatur. (AgRg no AREsp 527.202/SP, rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/09/2015, DJe 30/09/2015). Em resumo, o valor da causa nas ações de indenização por danos morais é aquele da condenação postulada, se mensurado pelo autor, em razão de que deve corresponder ao conteúdo econômico da pretensão, não podendo atribuir valor menor. (AgRg no Ag 1148167/SP, Quarta Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 12/04/2011).

Assim, evidentemente sem a pretensão de esgotar um assunto tão polêmico e com implicações práticas tão relevantes, entendo que o art. 292, inc. V, do CPC/2015 deve ser lido da seguinte forma: havendo a formulação de pedido determinado pelo autor em relação aos danos morais por ele pretendidos, esse deve ser o valor da causa, o que não exclui a formulação de pedido genérico, no qual inexiste um “valor pretendido” determinado em relação aos danos morais. Em que pese umbilicalmente ligados, entendo que o valor atribuído à causa e o pedido são momentos diferentes da petição inicial, e com consequências processuais igualmente distintas.

Veja-se que a resposta à pergunta anterior está intimamente relacionada à questão seguinte, tocante à sucumbência recíproca quando o juiz concede um valor inferior em relação aquele pretendido pelo autor. Dar ao art. 292, inc. V, do CPC/2015, a amplitude pretendida pela doutrina anteriormente exposta, implicaria na invalidade da Súmula nº 326 do STJ, que estabelece: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.

Tal invalidade não representa, por certo, um óbice intransponível ao referido entendimento (no sentido de que deve ser formulado pedido determinado nas ações condenatórias por dano moral), pois o CPC/2015 retirou a validade de vários enunciados sumulados do STJ (a exemplo do que ocorreu com as Súmulas nºs 301 e 453).

Um dos desdobramentos possíveis de tal entendimento é o de que advogados e defensores públicos devem “exímios conhecedores e profundos estudiosos dos valores arbitrados a título de dano moral, de modo iterativo, pelos tribunais superiores, em cada evento específico da seara da responsabilidade civil contratual e extracontratual. Sob pena de arruinarem seus patrocinados em caso de sucumbência total ou parcial da ação indenizatória mal sucedida”.

Nesse sentido, a intenção óbvia do CPC/2015 seria a de limitar (ou reduzir) a formulação irresponsável de pedidos condenatórios por danos morais diante da possibilidade de sucumbência parcial, impendendo destacar que o CPC/2015 vedou expressamente a compensação da verba honorária (art. 85, § 14).

Muito já se escreveu sobre a denominada “litigância frívola”, sobre o “dano moral de poltrona” ou ainda sobre a “República dos melindrosos”, expressões corretas e contundentes que se relacionam aos inúmeros exemplos de formulação desarrazoada de condenação por danos morais. Contudo, não é esse o tópico que pretendo abordar nos estreitíssimos limites desse texto.

O tema é controverso e as suas implicações práticas são amplas e profundas, motivo pelo qual merece a devida atenção e estudo. Há que se considerar, por fim, que a eventual mudança num entendimento jurisprudencial tão sedimentado e arraigado na prática forense deve ser feita levando-se em conta os vetores que o CPC/2015 estipulou em seu art. 926, que determina que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Fonte: jus. Com. Br (Por: Leonardo Beduschi).


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18 Comentários

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Detalhe, Dra. Flávia sempre os recomendo aos meus alunos e compartilho. Prova de minha apreciação pela sua qualidade. continuar lendo

Muitíssimo obrigada, Dr!! continuar lendo

Como sempre um artigo muito bem elaborado. Na minha opinião, a Súmula nº 326/STJ há de ser considerada cancelada - no STJ o debate está acirrado a respeito do tema - a Ministra Nancy Andrighi é contra o tabelamento do dano moral, mas é confrontada pelo entendimento de outros Ministros que visam dar uma ênfase maior no tabelamento prévio das indenizações a partir de algumas escalas, como forma de diminuir o volume de recursos especiais em que se discute a abusividade, ou não, de fixação de alguns valores. No ano passado surge um Julgado curioso do STJ mas de grande abrangência prática - há recomendação no sentido de que os autores devam proceder, assim como os juízes, a uma análise bi-fásica na fixação do valor da indenização - num primeiro momento, o autor consideraria o quanto a jurisprudência estaria fixando indenizações para casos análogos (há vários Informativos do STJ - pelo menos quatro) com listas de valores para cada caso concreto. Feita a premissa básica sobre a qual incidiria indenização - por exemplo - tribunais fixam em dez mil reais indenizações por inscrição indevida em cadastro de inadimplentes - partir-se-ia para a segunda fase, qual seja, a análise do caso concreto, com suas peculiaridades, por exemplo, no meu processo, tal valor é insuficiente porque, com a inscrição indevida, houve restrições do crédito, e eu não comprei o presente de casamento da minha mulher, que se separou de mim, por conta disso, portanto, dez mil reais não poderiam ser fixados eis que a violação de minha personalidade foi mais grave. E por aí vai. Parabéns pelos artigos. continuar lendo

DRA. flávia , meus parabéns muito importante as colocações no tocante aos danos morais estou feliz e tenho muitos amigos que vão se interessar em aprimorar os conhecimentos, vou recomendar e indicar . continuar lendo

Dra, ótimas ponderações. No entanto favor corrigir a citação do art 624 do CPC, quando em verdade deveria constar como sendo o 324, hipótese de pedidos genéricos na citação de doutrina do Ilustre Fredie Didier Júnior.

Saudações! continuar lendo