STJ - Oficina mecânica pode reter veículo até que haja o pagamento do serviço contratado?
Segundo o STJ, em recente decisão, a oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/8/2017 (Info 610).
Imagine a seguinte situação hipotética: O carro de João estava apresentando problema na injeção eletrônica. Em virtude disso, João deixou o veículo para conserto na oficina mecânica “Boa Peça”. Após três dias, Luiz, gerente da oficina, liga para o proprietário avisando que o automóvel estava pronto. João foi pegar o carro, mas disse para Luiz que gostaria de pagar pelo conserto somente no mês seguinte, considerando que no momento estava sem dinheiro. Luiz não concordou com a proposta e afirmou que somente devolveria o veículo após o pagamento do serviço. Enquanto isso, ele permaneceria na oficina.
Luiz poderia ter feito isso? É possível reter o veículo na oficina até que haja o pagamento do serviço?
NÃO. Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço. STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/8/2017 (Info 610).
O direito de retenção encontra-se previsto no art. 1.219 do Código Civil:
Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
O direito de retenção é uma das raras hipóteses de autotutela permitidas no ordenamento jurídico pátrio, em que o particular pode exercer pessoalmente a tutela de seus interesses, sem a necessidade da intervenção do Estado-Juiz.
Por se tratar de medida excepcionalíssima, o direito de retenção somente pode ser exercido nos estritos termos da lei. Pela simples leitura do art. 1.219, percebe-se que o direito de retenção somente pode ser exercido pelo possuidor de boa-fé.
No caso concreto, a oficina mecânica em nenhum momento exerceu a posse do bem. É incontroverso que o veículo foi deixado na empresa pelo proprietário somente para a realização de reparos. Isso não conferiu posse à oficina, pois esta jamais poderia exercer poderes inerentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do Código Civil.
Dessa forma, a oficina teve somente a detenção do bem, que ficou sob sua custódia por determinação e liberalidade do proprietário, que, em princípio, teria anuído com a realização do serviço. Assim, a posse do veículo não foi transferida para a oficina, que jamais a exerceu em nome próprio, mas sim em nome de outrem, cumprindo determinações do proprietário do bem, numa espécie de vínculo de subordinação.
Em suma, a oficina não poderia exercer o direito de retenção sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, tal providência é permitida ao possuidor de boafé, mas não ao mero detentor do bem.
Qual a ação judicial que deverá ser proposta pelo proprietário do carro? Ação de reintegração de posse.
Qual a ação judicial que deverá ser proposta pela oficina? Ação de cobrança.
Fonte: Dizer o Direito.
Colega advogado (a), confira a 3ª edição do Manual Prático do Novo CPC, revisto, atualizado e ampliado (150 petições cíveis, com comentários doutrinários e jurisprudenciais + bônus), inclusive com as ações de reintegração de posse e de cobrança.
55 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.
Está dentro da lei. É vedado efetuar justiça com as próprias mãos. A oficina mecânica consertou o carro teve gastos com peças e agora corre um grande risco de nada receber. Se ajuizar, se andar rápido, se tiver muita sorte, demorará anos e anos para receber. Se o proprietário não tinha dinheiro, não deveria ter levado o carro para efetuar reparos. Pela decisão judicial, o proprietário do carro foi beneficiado por agir com má-fé, transferindo para a oficia os ônus dele não ter dinheiro. Fica a dica: ou recebe adiantado ou não efetuada o reparo. O judiciário está cheio de gente safada que ganha vantagens e se posa se vítima da oficina. continuar lendo
É o fim da picada mesmo kkkk continuar lendo
Daqui a pouco será como no caso do aluguel de carros onde uma pessoa que é avessa a cartões de crédito não pode faze-lo pois é justamente a garantia da locadora contra picaretas. continuar lendo
Jose da Silva Silva, essa é uma situação, em que vemos o cara, que chamamos de sa.cana, em ação.Se o dono da oficina, enchesse o cara de balas, o matasse e fosse eu um dos jurados, do homícidio, ABSOLVERIA o dono da oficina! continuar lendo
Eu só entrego o veículo após o pagamento, e em caso de pedido de parcelamento, faço que o mesmo assine um contrato de dívida reconhecido em cartório e deixo guardado. Palavra não vale mais nada quando se trata de dívidas. Perca amizade, cliente e o que for, mas não perca seu dinheiro suado por causa de gente caloteira. continuar lendo
Vale lembrar as hipóteses de penhor legal (art. 1467, I CC), que admite a retenção, por ex. a retenção de bagagens. continuar lendo
Para mim sim, é justo. Coloca o carro na oficina quem pode pagar pelo serviço. Simples assim. Aliás, TEM CARRO QUEM PODE. continuar lendo
Direito é uma ciência que lida com situações complexas e nem sempre previsíveis. A lei existe exatamente para evitar que cada um imponha sua vontade por achar "justa". O que é justo pra mim, nem sempre é pra você. Se coloque numa situação hipotètica: você deixa seu carro na oficina, pois você "pode pagar pelo serviço". Certo tempo depois, algum familiar seu passa por problemas de saúde, a ponto de ter de se desfazer da própria casa onde mora. Você, agora, "não pode mais pagar pelo serviço". E aí? O Direito não serve pra ser justo, mas para impedir que cada um decida da forma que mais lhe convier. continuar lendo
Prezado @wagnercgr Já que personificou o coitadismo e eu concordo com o colega, respondo. Pela lei o que a doutora colocou está ok Mas um homem (ou mulher) que se preze, na situação hipotética levantada pelo senhor, deveria propor um acordo com a oficina já que em um dia ou dois houve tal diagnóstico e por incrível que possa parecer conseguiu até vender uma casa. De repente até propondo deixar o carro lá até vender, por exemplo: - Vou anuncia-lo na Internet, vendo e lhe pago a dívida. Bem o contrário de querer dar uma de "ispertão". Meu avô teve todo o café da fazenda queimado pela geada negra de 1975 no norte do Paraná. O gerente do Banco do Brasil, que era vizinho, passou antes do dia para "lembra-lo" que iria vencer a duplicata em tal dia, então ele lhe disse: - Tal dia - até bem antes de vencer - ela estará paga! Meu avô foi até a pedra e vendeu a fazenda de porteira fechada para quem deu mais por ela, e somente lhe sobrou a casa que tinha e um sítio para subsistência. continuar lendo
@saporto Entendo perfeitamente sua opinião. Não sei se passei essa impressão, mas se o fiz, não foi essa a intenção. Jamais estimularia condutas escusas, fundadas em obscuridades legais e/ou jurisprudenciais. Meu objetivo ao pontuar o comentário foi o de evitar as frequentes generalizações sobre condutas aparentemente repudiáveis. Poderíamos criar inúmeros debates com situações hipotéticas, onde nem sempre "o cara que não paga o conserto" é um monstro que deva ser repudiado socialmente. No meu ver, não dá pra tirar conclusões sem a apreciação judicial de cada fato. Evitar julgamentos do tipo "homem que se preze", "colocar o carro na oficina quem pode pagar pelo serviço" ou qualquer outro tipo de subjetivismo é premissa básica para julgar o caso concreto de maneira imparcial. Imprevistos e infortúnios acontecem e nem sempre podem ser contornados tão facilmente. Sou totalmente contrário ao coitadismo, além de acreditar que isso é um dos fatores que impede o desenvolvimento de nosso país. Mas reitero minha podenração de que a mistura do Direito com valores pessoais é bastante perigosa. Análises generalistas comumente levam a bizarrices, como linchamentos, justiça com as próprias mãos ou similares. O melhor dos mundos, humildemente penso, é buscar se posicionar com alteridade, se colocando no lugar do outro, para talvez, alcançar a imparcialidade de julgamento. continuar lendo
Tema interessante! continuar lendo